Conto
As palavras que escrevo, as letras que erro, as vezes que apago.
Conto, as vozes que oiço, as teclas que matracam, as riscas do teu casaco.
Conto as pernas das mesas e das cadeiras, os minutos da hora, os segundos do minuto.
Conto as folhas do caderno, os galhos de uma árvore lá fora, as moedas na carteira, as mensagens por ler.
Conto, os degraus que desço, os quilómetros que conduzo, os fios de cabelo arrancados.
Conto os pinos da beira do passeio, as árvores na beira da estrada, os buracos no pavimento.
Conto os traços descontínuos, os refletores prateados, os sinais de perigo, os carros na fila de transito.
Conto, as lombas de abrandamento, as barras na passadeira, os peões à espera para atravessar.
Conto os semáforos vermelhos, os vidros nas janelas, as varandas nas fachadas.
Conto, os andaimes da obra, os losangos da grua, as pessoas que correm.
Conto os lugares no estacionamento, os carros molhados, as linhas amarelas, as saídas para a rua.
Conto as pedras da calçada, os bancos do jardim, os azulejos da barbearia.
Conto as beatas caídas no chão, as núvens no céu, as gotas de chuva que começam a cair, as varetas do guarda chuva.
Conto os candeeiros acesos, os cartazes colados nos muros, os murais vandalizados.
Conto os quadrados do pavimento, as telhas da casa, os pombos que voam em bando, os pardais nos cabos eletricos.
Conto as portas da rua, os andares dos edifícios, as campaínhas do prédio.
Conto, as pessoas na sala de espera, as batas brancas que passeiam, os botões do vestido, o ritmo do meu coração.
Conto, as pessoas à minha frente, os medicamentos no meu saco, os pontos que acumulei.
Conto as velhotas que conversam, os homens que se assoam, as crianças que espirram.
Conto as crianças à saída da escola, as pessoas que entram na mercearia, os bagos do cacho de uvas.
Conto o tempo que falta, as chaves que abrem as portas, as voltas que o trinco dá, as vezes que limpo a sola dos sapatos.
Conto a roupa em cima da cadeira, os vincos dos lençóis, os lenços ranhosos na mesa de cabeceira.
Conto as páginas por devorar, as estrelas no céu, os cobertores que me aquecem, os bocejos que dou até adormecer.
Já não conto mais, até acordar. Depois, conto, novamente.
Conto, tudo, mas não conto segredos.
16 de Janeiro de 2013