sábado, 18 de dezembro de 2010

Chocolate e lenços de papel




Escrito pela primeira vez em 28 de Dezembro de 2008

Pareceu-me um título adequado a um poema lamechas sobre uma mulher triste e depressiva. Essa mulher devora caixas de bombons com licor de ginga dentro, e gasta pacotes e pacotes de lenços de papel. Essa mulher atravessa uma fase em que se sente mal consigo mesma, não se identifica com a pessoa que vê todas as manhãs reflectida no espelho da casa de banho, por cima da bacia onde lava o rosto com água fria na esperança que as rugas subtis dos seus quase vinte e sete anos desapareçam. Essa mulher que veste roupas escuras e simples para não ser notada, mas o seu rosto clama por atenção quando sorri timidamente e diz bom dia em voz baixa, essa mulher que em qualquer altura da vida pode ser qualquer uma de nós. Mas em vez de um poema lamechas resolvi escrever um texto curto e banal que ilustra uma pessoa especial e só, cujo único desejo é ser feliz e não sabe como, não tem objectivos, deixou de sonhar, deixou de ter desejos. Gostava de ajudar essa mulher, dizer-lhe que comesse tantas caixas de chocolate quantas lhe apeteça, que chore à vontade a acidez dos seus sentimentos, que deite fora toda a porcaria que lhe vai na alma. Gostava de dizer a essa mulher para mudar de vida, sair de casa onde se fecha como se lá fora o mundo estivesse em guerra, procurar amigos antigos, tentar fazer amigos novos, experimentar actividades diferentes, e sorrir, sorrir muito, porque o sorriso por mais triste que seja dá outra graça, dá outra cor, uma cor diferente, mais alegre e quente. O sorriso não precisa de ser uma risada alta, basta ser genuíno, um sorriso que não seja apenas com os lábios, mas com os olhos, com a testa com o rosto todo.

Não custa ser diferente quando se nasce diferente, o que custa é ser banal e tentar ser notado no meio da homogeneidade de rostos, de corpos, de vidas. Cada um tem a vida que escolheu na medida em que isso deriva das escolhas que fez e dos caminhos que seguiu. E essa mulher chora porque a sua vida não tem rumo algum, porque não há nada que a diferencie, porque gostava de ser diferente, viver outra vida, ou viver a sua vida renovada, fazer coisas que nunca pensou, investir em algo que lhe desse muita diversão, onde pudesse sentir-se especial.

Os chocolates fazem muito mal aos dentes e ao estômago mas adoram pneus. Essa mulher chora e chora e come chocolates uns atrás dos outros e sabe disso tudo, mas sente-se tão triste que não se importa de ficar com um pneu a mais pois ninguém reparou nela até agora, um pneu a mais não vai fazer diferença.

Os lenços de papel amontoam-se em cima da cama mas há mais novinhos em folha na mesinha de cabeceira. Papéis de chocolates estão por todo o lado, em cima da cama, debaixo da cama, debaixo da almofada e até dentro da cama, em cima da mesinha de cabeceira, misturados com lenços de papel assoados.

Mas o que faz esta mulher estar tão deprimida e chorosa além de se sentir desamparada e sem rumo? Fotos pelo chão, fotos coladas nas paredes, fotos coladas à cabeceira da cama, fotos na porta do frigorifico…fotos… fotos do seu namorado, agora ex-namorado com quem rompeu uma relação que durante alguns anos correu sem sobressaltos e deu origem a uma relação atribulada, cheia de altos e baixos que porém a fazia crer e sentir que estava a dar o passo correcto, e que tinha todos os seus problemas resolvidos. Ia construir uma vida, ter um lar, uma família, uma história bonita e duradoura cheia de sonhos e esperanças mas acabou. Acabou e agora tem de seguir com a sua vida mas sente que perdeu o que lhe amparava os medos e as inseguranças. Se por um lado está livre para retomar a sua vida do zero, estender os braços e agarrar novos horizontes, por outro sente-se como que sem mapa, sem saber os nomes das ruas, como se ficasse tudo escuro ou se não soubesse dos óculos para ver ao longe. Durante alguns anos esqueceu-se de viver a sua vida, traçou planos comuns a outra pessoa, e nunca agiu sem ponderar se a vida a dois poderia ser prejudicada pelas suas acções, arranjou trabalho numa cidade que não gosta para favorecer a proximidade necessária aos dois, deixou de conviver com alguns amigos por isso afectar o namorado, deu até pouca atenção à sua família para poder passar mais tempo com ele, nunca se tentou impor nalguns desejos seus para não contrariar ninguém, tentou matar recordações antigas comuns a outra pessoa ainda que boas, apenas porque isso não era aceitável numa nova relação e se por vezes lhe apetecia sair com ele e divertir-se um pouco nem arriscava perguntar pois temia ouvir um “não” ou um “sim está bem” pouco convincente. Resumidamente anulou-se, contrariou-se muitas vezes e calou outras tantas a vontade de gritar e dizer “eu também tenho vontades e também tenho o direito a satisfazer as minhas vontades de vez em quando, tenho o direito a memórias, a amigos, independentemente da sua origem e do seu papel na minha vida, eu também tenho o direito a exercer poder de voto, de acção e de controlo sobre a minha vida, eu existo por amor de Deus, deixem-me existir e ser como sou, aceitem-me como sou!”.

Acordar do coma de uma relação custa, porque tudo à volta mudou e é novo para si, terá de reaprender a viver. Agora tem de se equipar para uma nova caminhada em direcção à felicidade. Mas tem de fazer o seu luto. Chorar, isolar-se, deprimir-se, gastar uma palete de lenços de necessário, engordar dez quilos sem remorsos para depois enterrar tudo e seguir em frente, deixar uma lufada de ar fresco arejar a sua vida e sentir o vigor do futuro à sua frente, sem medos, sem precisar de mais nada a não ser a sua vontade e determinação.

Essa mulher irá encher a sua vida de cor e será feliz. Espero que tenha uma vida recheada de objectivos e metas a atingir.

1 comentário:

  1. Gosta de dizer a essa mulher que é uma pessoa fantastica, uma pessoa que conheci como professora, mas que sempre deixou transoarecer o ser maravilhoso que é!
    Gosta de referir que é um dos exemplos que quero seguir enquanto profissional da educação, porque a sua entrega e sua magia fazem de si uma pessoa especial.
    Gostava de referir que o chocolate e os lenços de papel por vezes são optimos companheiros!
    Um beijo de algum que a ademira, estima e reconhece a pessoa fantastica que é!
    Cheila

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