Olhos da Alma
Não vêm nada
Só escuro
E à minha volta olhos choram
Eu ouvi os olhos tristes daquela alma penada chorar no escuro
Eu toquei nas suas lágrimas molhadas e frias
E senti uma dor aguda no meu dedo
E este ficou azul e imóvel
Acho que congelado.
Estava a dormir
E uma alma triste veio ter comigo
Segredou ao meu ouvido
E eu acordei do meu sonho turbulento
Enquanto fugia dos cães que ladravam atrás de mim
Enquanto fugia da sua raiva devoradora
E o diabo anda sempre à espreita….
Dei-lhe as mãos
Deixei-me guiar pela voz da alma e desejei poder vê-la
E flutuei agarrada a ela
Não sabia onde ela me levava mas tive confiança
Deixei-me ir devagar
Por entre a escuridão
E por entre as vozes sinistras da noite
Que povoam os meus sonhos
Tornando-os em pesadelos.
A voz da alma era leve, tranquila e eu acalmei,
Respirei fundo e a escuridão foi-se
E vi a luz intensa do olhar morto de uma alma triste
Que me fazia levitar
E voar para fora do meu quarto
Para lá das paredes geladas do meu prédio abandonado.
Fechei os olhos por breves instantes
Não sei por onde fui
Que passos me conduziram
Que mãos me tocaram
Que vozes me guiaram…
Quando os abri
Eis que tudo à minha volta estava parado no tempo
Como se fosse a cena parada de um filme
Em que o tempo pára e tudo fica congelado
Algures num espaço distante
E não queria acreditar
Na visão dos meus olhos
Que a alma já não viam.
Pessoas paradas nas suas acções normais
Chávenas de café entre os dedos
Passos de dança no meio da pista
Esquecidos como partículas de pó nos raios de sol.
O silêncio era notável
E tão profundo
O ar parecia condensado
Movia-se à volta dos corpos
Num movimento sólido e pesado
No entanto o meu corpo deslizava
Como um peixe na água.
À minha volta tanta gente
E eu sentia-me tão só.
Ninguém me via
Ninguém me ouvia
Estava tudo parado, quieto, mudo
Estava tudo morto.
Mas eu estava viva
E queria fazer alguma coisa
Queria romper aquele silêncio dormente
Chicotear o ar tornando-o menos pesado
E rasgá-lo, traçar por ele o caminho,
Tantos caminhos de tanta gente.
Queria acordar aquelas vidas
Quando não conseguia que elas acordassem a minha
Queria deixar de estar só
Para poder dormir descansada novamente
Na minha cama perdida no vazio do meu sonho
E deixar de ter medo
De no meio da escuridão
Ouvir passos sinistros
Vozes pesadas tocar-me no rosto
E alguém que não sei quem
Longe de mim, longe do meu corpo.
Comecei a tocar nas pessoas levemente
Tentei despertá-las daquele estado passivo
Tentei agitar o ar à sua volta
Movendo-me com passos de dança alegres
No meio das luzes dos raios de sol penetrantes
Que davam cor às partículas de pó estagnadas no ar.
Tentei falar com elas
Afastar os seus fantasmas
Murmurar-lhes aos ouvidos “Carpe Diem” com voz profunda
Tentei empurrá-las
Fazê-las cair no chão.
E todo o meu esforço foi em vão
Todo o meu impulso
Em vão
Toda a minha coragem
Em vão
Toda a minha vontade
A minha fúria
A minha raiva
O meu suor persuasivo
Em vão, quando me vi caída no chão de joelhos machucados
E as mãos esfoladas
E o rosto vermelho de tanta força
E os dentes cerrados de tanta vontade
E lágrimas condensadas no ar pesado
E eu… Desisti de lutar por alguém
Desisti de tentar mudar o mundo
De acordar quem quer que fosse
De tentar mudar a minha forma de pensar.
Chamei a alma de volta
E ela veio prontamente
Deu-me as mãos
Segurou as minhas com força e deixou-me dormir
Pairando no ar como um grão de pó.
Fechou-me os olhos
Tapou-me os ouvidos
Levou-me daquele lugar morto
De volta ao escuro do meu quarto
Que deu lugar à luz
Para me acolher de novo na minha cama
No calor escondido dos lençóis
E no conforto eterno da almofada
No ruído intenso da minha respiração
A quebrar o silêncio
A agitar a vida
E quebrar a morte.
Deixei-me levar pelos passos da alma
Até ao meu quarto quieto
No meu prédio vazio
E povoado de gente no meu coração
E deitou-me de novo
Num sono tranquilo
Numa melodia suave
E uma mão doce acariciou-me o rosto
E eu estava a sorrir
Com o rosto cansado
E contente de estar em casa de novo.
O dia nasceu
A alma partiu
Mas eu fiquei.
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